fábulas, contos de fadas e o reino dos animais

As fábulas e os contos de fadas são manifestações simbólicas que tendem a estimular a nossa imaginação. Geralmente, estão relacionados à literatura infantil e consistem numa das primeiras formas de entretenimento e contato com o mundo da fantasia. Contos e fábulas expressam a realidade que faz parte de nosso cotidiano. É interessante observar que sempre utilizam animais para caracterizar o pensamento e atitude do ser humano. Analogia que, de certa forma, facilita a compreensão da mensagem a ser transmitida.

Ao utilizar animais e natureza, as fábulas dão um tom alegórico à existência humana. Isso aproxima o público da mensagem. Muitas das associações entre os animais e as características humanas presentes nas fábulas estão presentes até hoje: Leão - poder real, Raposa - astúcia e esperteza, Lobo - dominação do mais forte, Cordeiro – ingenuidade. De forma lúdica e pedagógica mostram nossas virtudes e defeitos através das características dos animais. A alegria e a descontração dos animais facilitam a assimilação da "moralidade" ao mesmo tempo em que distrai os ouvintes. São estórias recheadas de medo, dificuldades, carências e autodescobertas que fazem parte do mundo infantil.

Ao contrário das fábulas, que têm como finalidade dar instrução moral, os contos de fadas deixam todas as decisões a nosso encargo. Cabe a nós, decidir se queremos ou não seguir o pensamento apontado ou as lições implícitas. No livro "A Psicanálise dos Contos de Fadas", Bruno Bettelheim apresenta o conto de fadas como "uma forma artística única".

"Enquanto diverte a criança, ele esclarece sobre si mesma, e favorece o desenvolvimento de sua personalidade. Oferece significado em tantos níveis diferentes, e enriquece a existência da criança de tantos modos que nenhum livro pode fazer justiça à multidão de diversidade de contribuições que esses contos dão à vida da criança. Processo que começa com a resistência contra os pais e o medo de crescer, e termina quando o jovem encontrou verdadeiramente a si mesmo, conseguiu independência psicológica e maturidade moral, e não mais encara o outro sexo como ameaçador ou demoníaco, mas é capaz de relacionar-se positivamente com ele".
 
Contudo, não vamos nos enganar pensando que os bichos são sempre mostrados como bons. Em Chapeuzinho Vermelho, o Lobo surge como um sedutor, que quando aceito pode se transformar no destruidor da "vovó boa e da menina". Também representa as tendências "animalescas" dentro de nós. Ele simboliza as maldades que a criança sente quando vai contra os conselhos dos pais. Sendo assim, precisa ser morto. E cabe ao caçador castigar o malvado, mostrando o lado protetor e racional.

Não queremos aqui apontar que o conto instiga maus-tratos contra os animais. Apenas mostrar como os animais foram abordados ao longo do tempo pelas religiões, contos de fadas, fábulas e todas as outras formas de divulgação que resistiram ao tempo e que ainda permanecem vivas nos registros populares. São abordagens que indicam a presença marcante dos bichos ao lado do homem. Relação que demonstra, ao mesmo tempo, amor, dependência, fúria, decepção, incerteza e muita contradição.

Assim como associamos os animais aos sentimentos humanos, não nos sensibilizamos quando paramos em frente a uma granja com centenas de frangos amontoados em jaulas minúsculas, aguardando o momento que os livrará do sofrimento imposto desde o nascimento. Desde os tempos bíblicos, passando por contos de fadas e histórias mostradas no cinema hoje, temos sempre os dois lados. E como entender esta relação, sempre ambígua e divergente?

"Um imprudente ratinho saiu aturdido de sua toca e foi cair exatamente entre as garras do leão. O rei dos animais, revelando sua natureza generosa, pois não é raro encontrar-se magnanimidade no coração de um leão, deixou o estulto safar-se em paz. O seu ato, como todas as ações, não foi perdido, pois, quem haveria de dizer que um simples ratinho pudesse prestar ao rei dos animais os seus bons ofícios? Entretanto isso aconteceu. Certo dia, ao sair da floresta, o leão caiu numa armadilha e por mais que fizesse não conseguia desvencilhar-se da rede; furioso, pôs-se a rugir e a debater-se como um louco. Mestre rato ouvindo aqueles rugidos não atemorizou, correu pressuroso ver o que se passava e dando com o leão emaranhado, tanto roeu com seus dentinhos que rompeu uma das malhas e a rede toda se desfez. Tempo e paciência podem mais que fúria e violência. Esta é uma das interpretações da moral; a outra ensina que: é necessário, tanto quanto se pode, prestar favores a quem quer que seja, pois às vezes pode-se necessitar de alguém mais humilde do que nós." (O Leão e o Rato, fábulas de La Fontaine)

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